27.6.09

O (meu) Caminho de Santiago III - "e não é que vim mesmo??!!"

A conta gotas vai saindo o relato que prometi ( a mim própria) fazer...

Dia 1, ainda em casa, acordei com uma tranquilidade que não costumo acordar em dias de viagem... a razão era simples: tinha tudo prontíssimo! E para quem geralmente faz a mala de véspera (de madrugada) ou no próprio dia, isto foi uma variante interessante...
Fui almoçar tranquilamente com uma amiga... o comboio era só às 16h! A viagem até ao Porto foi tranquila! Gosto de viajar de comboio, e sempre me deu algum prazer fazê-lo sozinha! Chego ao Porto ao fim da tarde a tempo de uma voltinha por uma cidade cujo carisma não me deixa indiferente. O quarto que o meu pai tão deligentemente me reservou na Messe de Oficiais, era demasiado pequeno, a cama minúscula e fazia uma barulheira que me acordava cada vez que me movia... a excitação também não permite um sono profundo! Por 12euros, contudo, nada tenho para me queixar... estava, entre outras coisas decidida a ter umas férias baratas!

Dia 2 acordei tão cedo que devo ter chegado à estação de Porto-Campanhã 1h30 antes do comboio... Tomei o pequeno-almoço com a sensação que aquela hora, ali, apenas estava eu, os taxistas e as "profissionais da noite"...


A viagem de comboio para Vigo decorreu sem sobressaltos... em Tuy tive que seguir de intérprete entre o revisor (espanhol) e dois turistas (ingleses) porque o primeiro tentava explicar aos segundos que estavam no comboio errado e teriam que sair na próxima estação para apanharem o certo... os segundos mostravam o bilhete ao primeiro e perguntavam quanto
é que tinham de pagar mais... e a estação, a dita estação onde teriam que sair, aproximava-se sem que ambas as partes se entendessem. Mal sabia eu que ao longo dos dias seguintes iria desempenhar este papel milhentas vezes...


Em Vigo, 30 minutos de caminhada até à estação de autocarros e uma espera de 3h pelo autocarro para Lugo que chegou atrasado... comi, escrevi, li e reli o guia... e já nem me lembro como matei o resto do tempo... Quando me sentei no autocarro lembro-me de ter pensado que já tinha andado em aviões mais desconfortáveis... aninhei-me e dormi as três horas e tal de viagem de Vigo para Lugo, com paragem nas aldeolas todas.

Em Lugo, como não podia deixar de ser, mais uma hora e meia à espera do autocarro para Sarria... Estava esganada com fome... Pedi um bocadillo e uma caña no bar e esperei, resolvida a não stressar... afinal decontas estava de férias....

A viagem para Sarria, comparada com as restantes, foi um tiro... 30 minutos que passaram como se apenas 5 fossem.

E eis que as oito da noite, estava de repente numa vilazita da Galiza... ainda sem ter onde dormir, e sem saber exactamente como é que aquela história de "peregrina" funcionava...



Perguntando, andando, procurando e, não sem antes me perder pelo caminho, lá cheguei à Calle Maior, depois de avistar a(s) primeira(s) seta(s) amarela(s)...

Comecei a subir a rua íngreme, e depois de me ter inteirado que o albergue municpal estava cheio, entrei na igreja, confesso, para me sentar um bocado e tirar a mochila... uma vez ali, pela primeira e última vez questionei-me, profanando aquele espaço, com os palavrões que me passaram pela cabeça... "Mas que m**** é que eu vim para aqui fazer?... que p*** de ideia me passou pela cabeça para vir para aqui sozinha?..." E fosse pelo cansaço, pela fome que começava a apertar outra vez, por serem 21h e ainda não saber onde ia dormir, fosse por todos os motivos ou nenhum destes, chorei com uma vontade com que não chorava havia muito tempo... e estranhamente saí dali a limpar as lágrimas e com vontade de rir de mim própria!

À saída da igreja sou interpelada por uma senhora que me pergunta se estava
a chegar e se já tinha onde ficar. Perante a resposta que já depreenderam, leva-me para o seu albergue, que ficava pouco mais acima naquela rua. Era um albergue de peregrinos privado, O Internacional, aberto havia 1 ano e meio. Paguei 10 euros. A hospitaleira, Teresa, foi um amor... instalei-me, tomei um banho recuperador, e desci para comer qualquer coisa no bar (uma das coisas que diferencia o albergue privado dos públicos).

Sentei-me ao balcão e pouco depois vem-se juntar um americano, mais ou menos da minha idade, que também viajava sozinho. Tivemos cerca de duas horas na conversa. Era um tipo estranho, com ideias muito próprias, e, pensei na altura, muito perto do limiar da loucura... mas estranhamente interessante e divertido.

Acabei por beber duas ou três cervejas... estava a conversa a correr lindamente, até chegar à parte em que falamos das motivações de cada em fazer o caminho e, no caso dele, dos sentimentos e experiências até ali... "Bullshit!!"... acho que foi a expressão que usou para definir o caminho, e todas as experiências que dele decorreram. Ouvi a sua longa explicação para esta opinião e já um pouco irritada, confesso, perguntei-lhe porque é que, sendo tudo tão mau, tendo tido tantas desilusões com as pessoas, porque não tinha desistido... responde-me, com as filosofias a que naquele curto espaço de tempo já me tinha habituado, que quando lhe apetecia desistir, havia sempre qualquer coisa que não o deixava... fosse a experiência de alguém lhe ceder a própria garagem para passar a noite num dia em que não encontrou alojamento- por não ter capacidade de andar mais, fosse por uma ou outra paisagem que o encantava e o fazia esquecer do resto, fosse por ter oportunidade de ter uma conversa "inteligente" com uma das poucas pessoas que durante o caminho tinham falado com ele olhando-o nos olhos... recebi o elogio e encaixei-o na personalidade (segundo a minha própria leitura) algo inadaptada e revoltada, por natureza, que tinha à minha frente. Acabamos a conversa com trivialidades, e rindo-nos de algumas parvoices, e mais uma ou outra cerveja, e despedimo-nos. Na altura não podia saber, mas só me voltaria a cruzar com esta personagem em Santiago, precisamente na missa do peregrino. Deitei-me, num quarto arejado, e quase vazio, com algum cepticismo face ao caminho, fruto da estranha conversa anterior... precisamente com a primeira pessoa com quem travava contacto ali! "Isto começa bem!..."


20.6.09

(O meu) Caminho de Santiago II - Antes do caminho


Está a chegar a uma altura que tenho mesmo necessidade de escrever... não porque o tema reúna consenso em termos de interesse... mas para mim! Para fixar alguns momentos, para reviver outros... para que eu própria não me esqueça das razões que me levaram a tomar a decisão de fazer esta viagem.

ATÉ COMEÇAR O CAMINHO...

Quem me conhece bem sabe que era um sonho antigo fazer o caminho de Santiago... O interesse nasceu de várias leituras, e foi alimentado pelos relatos de primos e amigos mais velhos que realizaram o caminho.

Acontecimentos na minha vida nos últimos 4 ou 5 anos fizeram-me, na altura tomar o compromisso de o fazer; a atracção e o fascínio pela parte mística, espiritual e, inclusive, para além da parte religiosa, a parte histórica e de certa forma pagã, foram achas lançadas na fogueira onde forjei este projecto; o gosto, a necessidade e a busca da aventura factores determinantes; mudanças positivas acompanhadas de algumas desilusões e sofrimento quer a nível profissional, quer pessoal, desde o início deste ano, determinaram 2009 como o ano do "meu caminho".

Ir sozinha?... fez parte desse processo de decisão: (segundo alguns o verdadeiro início do meu caminho...) chegar à conclusão que estou a chegar a uma fase da vida que não posso deixar de fazer aquilo que me sinto impelida a fazer, não posso deixar de realizar alguns sonhos, por muitos disparatados que ao principio pareçam, por não ter companhia, companhias ou "a" companhia...

A PROCURA DE UM CONTEXTO...

Ao longo dos últimos anos, deve haver pouca coisa na Internet, em português, inglês ou espanhol que eu não tenha lido sobre o caminho.

Santiago foi, segundo a lenda, o apóstolo de Jesus Cristo que terá procedido à evangelização da Península Ibérica, com especial relevo no norte, na zona da Galiza. Quando se fala dos caminhos de Santiago fala-se, quer da rota que eventualmente os discípulos de Santiago terão feito para sepultar os restos mortais do apóstolo (segundo um costume da altura de que os apóstolos seriam sepultados na região onde em vida terão pregado), quer das rotas dos peregrinos que, desde o século IX, rumavam em peregrinação ao túmulo de São Tiago.

Há ainda uma história de um caminho no norte da península ibérica, que remonta a tempos ancestrais, e que se dirigia a Finisterra... celta, celtibero, romano... não sei! mas estaria associado a um qualquer culto pagão anterior ao Cristianismo. Li algures que a vieira (a concha) que identifica os peregrinos de Santiago será uma apropriação de um símbolo pagão... que quem percorresse o caminho até Finisterra, uma vez lá deveria "devolver" a concha ao mar, em sinal que aquilo que aprendera com o caminho, não o guardaria para si, mas partilharia com o mundo...

Seja pelo que for, o que posso confirmar, mesmo tendo percorrido apenas 112Km é que há por aqueles caminhos, qualquer coisa... uma qualquer energia; como se sentisse nas pedras, no chão e no pó a vibração dos milhões que pisaram antes de nós. E provavelmente, nalguns pontos terão mesmo pisado... conquanto nalguns pontos o caminho seja atravessado ou acompanhe caminhos asfaltados e estradas principais (não muitos felizmente) - contingências de uma peregrinação em pleno século XXI- em grande parte do percurso tem-se a sensação de se percorrer um caminho medieval. Pela Galiza encontrei inclusive vários trilhos com vestígios de estradas e pontes romanas...

Não há portanto um só caminho de Santiago...



... há tantos quantos os assinalados no mapa (Caminho Francês, Caminho do norte, Via da Prata, Caminho Português...)... e tantos quantas as pessoas que o decidem percorrer, qualquer que seja a motivação com que o façam (religiosa, espiritual, espiritual e não religiosa, pela aventura, pela parte histórica, pelo desafio, etc.)...

Conheci muita gente, oriundos dos mais diversos sítios... e as razões de fazer o caminho eram um tema que invariavelmente surgia nas conversas iniciais. Além das motivações mais abrangentes que atrás refiro (que aliás, todas elas resumem a minha motivação), conheci os que o faziam: para pagar promessas, para provar alguma coisa a alguém, para emagrecer porque o médico mandara caminhar (não estou a brincar), como uma forma de "emancipação" e de afirmação (após um divorcio, uma reforma antecipada); em agradecimento; por e simplesmente por turismo; enfim... conheci inclusive dois franceses que o estavam a fazer em sentido contrário, tendo começado em Finisterra!!

O que não conheci foi pessoa alguma que, independentemente das razões que a teriam colocado ali, não tivesse sido de alguma forma tocada pelo espírito, e pela energia brutal e avassaladora gerada, pura e simplesmente, pelo facto de um bando de desconhecidos, dia após dia, caminharem na mesma direcção...

Pensando melhor até conheci... mas esse episódio já faz parte dos meus registos a partir do dia em que cheguei a Sarria, para começar a caminhar... e será objecto do meu próximo post!

PS.: Aos meus queridos (três) leitores, deixo o aviso que nos próximos tempos estarei, mais "egoisticamente" que nunca, dedicada apenas ao relato e à apresentação das fotografias da minha viagem e do meu Caminho... por isso os temas do blogue vão ser um pouco limitados.

10.6.09

(O meu) Caminho de Santiago I - de regresso!


Cansada!
Inspirada!
Libertada!
Feliz!
Triste!
Com saudades!
Pensava eu que a melhor experiência seria chegar a Santiago... mas é todo o caminho que nos marca! Avistar as torres da catedral emocionou-me apenas porque... o caminho chegava ao fim! Ou estaria a começar outro?
Os próximos posts serão sem dúvida um recordar exaustivo de uma das experiências humanas mais ricas que tive até hoje! Apenas adianto uma coisa: Ir sozinha foi sem dúvida das melhores decisões que tomei até hoje!


1.6.09

Caminho de Santiago VII - tudo pronto!

Mochila pronta:
Mochila Forclaz 40l
3 t-shirts
2 calças de algodão
1 s-shirt tipo polar
1 poncho impermeável
4 meias
4 cuecas
2 soutiens
1 lenço (para a cabeça que não me dá jeito chapéus, e p a noite se tiver frio)
1 toalha (das de caminhada)
1 chinelos
(mais os ténis que levo calçados)
Estojo de 1ºs socorros
Soro fisiológico 20ml
Betadine 20ml
Compressas pequenas esterelizadas (2pacotes)
Compeed 
spongostan
Mepore (1)
Biafine
Bacitracina
Brufen 600
Imodium
Estojo Higiene
Champô 75ml
Gel duche 100ml
Escova
Pasta dentes 20ml
 Dezodorizante
Vaselina
Pente
Corta-unhas
Papel  higienico
Repelente Insectos
Protector solar 75ml
Máquina fotográfica + cabo
Telemóvel + carregador
Lanterna pequena
molas roupa (6)
Sabão azul e branco 
Alfinetes de dama
Saco Cama
Guia
Canivete suíço (pequeno)
óculos de Sol
Bastão
Caderno moleskine pequeno + caneta (para aquelas coisas que têm que ser registadas com palavras)
Documentos
BI
Cartão débito
Cartão crédito
Cartão europeu de Saúde
Credencial

Parto hoje, dia 1 de Junho, para o Porto. Vou ficar alojada por esta noite na Messe de Oficiais.
Amanhã dia 2, apanho o comboio para Vigo, aqui um autocarro para Lugo e em Lugo um autocarro para Sarria.
Se tudo correr conforme o planeado, quarta-feira dia 3 de Junho começo a caminhar desde Sarria até Santiago de Compostela (111km). 
Fé em deus e pé no caminho!
Até qualquer dia!