Descobri o prazer de ler, tanto quanto me lembro, quase ao mesmo tempo que aprendi a ler...
À medida que fui crescendo fui lendo de tudo, a um ritmo a certo altura quase devorador. A certa altura também, o ritmo com que os meus pais me compravam os livros que eu queria na altura ("Os cinco", "Os Sete", Uma Aventura, Triângulo jota, etc...) era menor que o ritmo com que eu os lia.
Assim, qual ressacada, comecei a percorrer a casa e o sotão dos meus avós, descobrin
do os livros que haviam feito a delicia literária dos meus pais quando estes tinham a minha idade. Foi desta forma que li alguns clássicos das colecções "Biblioteca para rapazes", "Biblioteca para raparigas", as revistas e publicações "Pão com manteiga", entre outros.
No contexto de uma destas incursões, descobri, talvez já pelos meus quinze anos, um livro intitulado "O Roque e a Amiga".
Embora buscasse na altura os livros de aventura, os romances, os policiais, não consegui deixar de ler, do princípio ao fim, este livro de rábulas irónicas e de um sentido de humor completamente non sense, a roçar, como diria o Michael (um dos meus "Roques" mais queridos!) a "porno-chachada" folhetinesca. E uma das coisas mais curiosas e engraçadas do livro era a desadequação das ilustrações com as rábulas. O Roque e a Amiga eram um casal "moderno" dos anos 70-80 e as ilustrações eram imagens tipo anos 20-30, a preto e branco: as mulheres apareciam com uma languidez pudica em que dificilmente imaginávamos uma "Amiga" tipicamente "eighty's"; e os homens, com um ar aprumadinho, de fato e brilhantina, não ilustravam em nada a imagem que as rábulas nos levavam a formar de Roque. E o humor conseguido desta forma, é talvez o ponto mais forte de genialidade deste livro.
Engraçado também é que, nas várias fases da minha vida, fui sendo sempre a Amiga de alguns Roques, e o Roque de algumas Amigas. E ainda hoje, quando alguém se apropria da expressão "O Roque e a Amiga" para se referirem a algumas das minhas relações, não consigo deixar de me rir com gosto, e questionar-me quantos deles efectivamente terão lido o dito.
Aqui deixo dois excertos:
"A amiga pulou da cama, fresca, matinal, ainda cheia de orvalho e espreguiçou-se longamente em frente ao espelho.Deu o primeiro sorriso do dia a Roque, que a espreitava pelo canto do olho enquanto acendia a beata que apagara cuidadosamente na noite anterior.
A amiga voltou a olhar o espelho, sempre sorrindo e prendeu o cabelo com dois ganchos. Depois, saltou para a balança e o sorriso apagou-se.
- Que foi? – Perguntou Roque.
- Dois quilos a mais… – esclareceu a amiga.
Roque deu uma pequena gargalhada.
- E você ri-se! – Enfureceu-se a amiga.
E encostando-se à cama perguntou:- Onde é que está a graça, roque?
- É que por este andar, ainda passo a ser conhecido pelo Roque da pesada…"
(...)
«Roque desmanchava uma cassete quando a amiga gritou da cozinha:
- Roque, você não gostava de passar um Carnaval no Rio?
Roque pegou na chave de parafusos e encolheu os ombros.
A amiga não desistiu. E vindo pôr-lhe um café à frente, voltou à carga:
- Tenho ouvido dizer que não há como um Carnaval no Rio...
Roque voltou a abrir a cassete e olhou a amiga, enquanto ela insistia:
- Vá diga lá, você não gostava?
Roque pôs a cassete de lado e bebeu o café.
Depois olhou bem a amiga e disse:
- Boa ideia. 'Bora lá.E saíram, para apanhar o cacilheiro.»