Tomei o pequeno almoço com dois "chicos" de Vigo, Roberto e Pepe, que se queixavam, com muito sentido de humor, do autêntico concerto de roncos a 40 vozes, que tinha sido a noite naquele quarto! De facto, esta noite ainda me incomodou o ruído e o calor abafado de estar num quarto com mais 40 pessoas a dormir... nos dias seguintes, caía na cama e o sono vinha para me aconchegar... o descanso é um prazer genuíno quando estamos genuínamente cansados!!
Sai-se de Portomarin atravessando o rio por uma pequena ponte de ferro que abana por todos os lados, e entra-se no bosque numa subida que se adivinha longa!... Como o dia estava encoberto, o sol não era suficiente para desfazer completamente as sombras da noite. O orvalho matinal confundiu-se com chuva e fez-me por alguns momentos temer o desconforto desta etapa...
O caminho, mais uma vez, faz-se entre bosques e pequenas aldeias, com algumas partes em "corredores" junto a estradas de asfalto, que não deixavam de ser agradáveis.
Mais uma vez, o caminho faz-se para a frente e seguindo as diferentes indicações...
Saí de Portomarin com Pepe e Roberto mas, na primeira subida, marquei o meu ritmo e distanciei-me muito deles... Começava a ficar viciada naquela sensação de caminhar sozinha, só a sentir o coração a bater mais depressa com o esforço físico e o barulho do bastão a bater no chão e a marcar o ritmo da caminhada...
... seguindo as setas e apreciando pequenos pormenores que me faziam sorrir!
Miguel, um galego simpático que falava com toda a gente e que se gabava de fazer cada etapa em menos tempo que ninguém, "ultrapassou-me" cerca de 8km depois de partir... ele saíra provavelemente uns 45 minutos depois de mim... apesar das suas graçolas, mantive-me a meu ritmo e disse-lhe que nos veríamos em Palas de Rei.
Foi talvez dos dias mais "internacionais"... Ao longo do caminho fui encontrando e conversando com duas suecas, um alemão, um mexicano, um coreano ( que me convidou a partilhar a mesa dele na primeira paragem que fiz numa aldeia, porque o pequeno café estava cheio), duas senhoras inglesas já de alguma idade e vários espanhois...
Mesmo quando a conversa não se alongava era impossível passar por alguém e não dizer um "Hola" ou um "Buen Camino", invariavelmente acompanhado de um sorriso que transmitia a mesma cumplicidade... quer fosse um grupo de efusivas espanholas ou um par de atléticos e sorumbáticos alemães...
Os grupos de peregrinos de bicicleta formavam um espetáculo engraçado nas paragens, com os carros de apoio, as mudanças de um pneu furado e as pequenas reparações... o espírito era saudável, desportivo mas igualmente... cúmplice.
Um aviso à navegação a quem pensa fazer o caminho de bicicleta... levem uma campainha: seja uma daquelas das pasteleiras antigas, seja uma buzina de nevoeiro, seja um apito ou um badalo de uma cabra... mas levem algo para sinalizar a vossa passagem!!!... não é muito agradável, principalmente nas descidas, só se dar conta que vem um grupo de bicletas, quando o primeiro passa a centímetros de nós...
Cerca de 1h depois paro numa aldeia para descansar e beber um café, reecontrando-me com Miguel e Roberto, um tipo simpático de Madrid, que também parara ali! Roberto estava arruinado e descansava com as pernas em cima da mesa! Tinha os tornozelos inchadíssimos... ofereci-lhe um inflamatório que tinha na mochila mas ele recusou... Senti o corpo a arrefecer de estar parada... despedi-me dos rapazes e segui... Miguel ainda me disse para esperar por ele mais um pouco, mas respondi-lhe que tinha a certeza de que ao ritmo que ele andava me apanharia mais à frente...
O restante caminho foi apreciado com diferentes companhias... a mais caricata mas contudo mais agradável, foi a de um senhor na casa dos 60a nos que me contou que já perdera cerca de 20kg nos últimos dois anos só a caminhar duas horas por dia... e que achou que o caminho era um bom desafio para o seu programa de exercício...
O senhor pesaria ainda 120kg, mas caminhava com uma ligeireza e uma força de vontade que me impressionou! Caminhava sem mochila mas ofereceu-se inclusive para me levar a minha! Recusei agradecendo!
Apesar das suas motivações iniciais para fazer o caminho, estava encantado com o espirito que encontrara e contou-me emocionado como, na última aldeia por onde tinhamos passado, um velhote lhe ofereceu um bastão de madeira feito por ele dizendo-lhe que esperava que o ajudasse a cumprir o caminho, e pedindo-lhe para rezar por ele e pela sua esposa em Santiago... "Com a quantidade de jovens atléticos que por ali passavam, porque é que o velhote me pediu logo a mim?"... Sorri à sua dúvida...
O caminho habitua-nos a aceitar o que este nos oferece! Esta de facto foi a minha grande lição do dia!
Fizemos praticamente os últimos km da etapa caminhando lado a lado e conversando. O homem era um poço de cultura e explicou-me uma série de curiosidades da Galiza.
Despedimo-nos quase à entrada de Palas de Rei, faltariam uns 5km para entrar na vila! Eu estava a precisar de descansar um pouco as pernas e de repor líquidos!
Quando retomo caminho, vejo Miguel e Roberto... que vinham num passo lento e entre risos e lamúrias, queixando-se das dores que tinham!
Entramos na vila juntos e procuramos o albergue. Ivan, primo de Roberto, também de Madrid, já lá estava e esperava-nos bebendo umas imperiais na esplanada em frente!
Depois do tão esperado banho, Eu, Ivan e Roberto fomos almoçar a uma tasca que nos recomendaram... Na Galiza come-se muito bem! Provei o "caldo galego", uma sopa muito parecida com o nosso caldo verde, mas muito mais rica, e elegi-o como o melhor que tinha comido desde que começara o caminho. O menu do peregrino, incluia sempre primeiro e segundo prato, vinho ou água e sobremesa, por preço que rondavam entre 7 e 10 euros. A refeição foi excelente. E o vinho tem realmente propriedades anti-inflamatórias :)!...
Passamos o resto da tarde passeando pela vila e na esplanada da praça principal a conversar...
O jantar foi no albergue... foi um jantar comunitário... cada um colocou na mesa o que tinha! quando dei por mim tinha feito a mistura mais estranha de alimentos... "empanadas", batata frita, fruta, cerveja e ainda queijo, chouriço e vinho que uns espanhois que estavam na mesa ao lado insistiam para que provasse dizendo que eram da terra deles (Vilafranca del Bierzo)...
Combinámos organizar uma queimada (um ritual tradicional galego) na noite seguinte... ficaríamos num albergue de peregrinos privado cuja dona era amiga de Miguel.
Estava divertidíssima, quando olho lá para fora e reparo que chovia torrencialmente... com o pormenor que tinha roupa estendida! A restante que roupa que trazia além da que tinha vestida... Recolhi-a e coloquei-a pendurada no beliche com a esperança que secasse durante a noite... o que não aconteceu!...